Impactos vão desde prejuízo à pesca a dose extra de aquecimento global

As temperaturas médias globais da superfície do oceano atingiram novo recorde em julho, mostram dados divulgados no dia 8 de agosto pelo Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus, da União Europeia. Segundo análise do órgão, a superfície do mar ficou 0,51°C acima da média de 1991 a 2020. Os recordes têm sido ultrapassados desde abril.

A situação é crítica no Atlântico Norte, onde é verão e o termômetro apontou 1,05°C acima da média no mês passado. Ondas de calor marinhas aconteceram ao sul da Groenlândia e no mar de Labrador, na bacia do Caribe e no mar Mediterrâneo.

“Acabamos de testemunhar as temperaturas globais do ar e as temperaturas globais da superfície do oceano estabelecendo novos recordes históricos em julho. Esses recordes têm consequências terríveis para as populações e o planeta por causa da exposição a eventos extremos cada vez mais frequentes e intensos”, diz Samantha Burgess, vice-diretora do Copernicus. “Mesmo que seja apenas temporário, [o caso] mostra a urgência de haver esforços ambiciosos para reduzir as emissões globais de gases de efeito estufa, que são o principal fator por trás desses recordes”, completa.

Temperatura da superfície do oceano em 2023 já supera a de 2016, até então recordista em altas temperaturas (Imagem: Copernicus)

Neste cenário, o gelo marinho tem derretido mais depressa devido às altas temperaturas do ar e da água. De acordo com o Centro Nacional de Dados de Neve e Gelo, da Nasa, a extensão do gelo marinho do Ártico, no hemisfério norte, diminuiu a um ritmo de 93,3 mil quilômetros quadrados por dia em julho (como se quase um Pernambuco sumisse a cada dia). No mês anterior, o número foi 81,8 mil quilômetros diários. A situação atual do Ártico já supera a média de perda de gelo por dia no verão entre 1981 e 2010, que foi de 86,9 mil quilômetros quadrados. 

O gelo ártico começa a derreter na primavera e atinge sua extensão mínima tipicamente em setembro, para então se expandir novamente. Com o aquecimento global, cada vez mais gelo derrete no verão e menos gelo permanente sobrevive para o inverno seguinte. Segundo o IPCC, o painel do clima da ONU, o Ártico provavelmente estará totalmente descongelado em setembro pelo menos uma vez antes de 2050. 

Já a Antártida, no hemisfério sul, está com dificuldades de manter seu gelo marinho mesmo em pleno inverno. Segundo o centro da Nasa, a média da extensão do gelo do mar na Antártida foi de 13,4 milhões de quilômetros quadrados em julho, considerado um recorde negativo. A extensão está 1,5 milhão de quilômetros quadrados abaixo do índice de julho de 2022, que detinha o recorde negativo. A queda da superfície de mar congelado ao redor do continente é seis desvios-padrão maior do que o esperado. Os cientistas estão chamando o fenômeno de “evento de seis sigmas”, medida que em estatística significa uma chance infinitesimal de algo acontecer.

Cientistas ainda estão analisando o que tem causado esse efeito, mas estudos já apontam que o calor do oceano tem destaque forte na limitação do crescimento do gelo no outono e no inverno e no aumento do derretimento durante a primavera e verão. “A água quente do norte se misturou a essa camada [superior do oceano], o que tende a aumentar a estratificação do oceano. Isso parece coincidir com quando o gelo do mar passou de extensões recordes para extensões baixas a partir de setembro de 2016 e extensões ainda mais baixas em 2023”, diz o artigo do Centro Nacional de Dados de Neve e Gelo.

O aquecimento tem diferentes causas, como a influência do fenômeno atmosférico-oceânico El Niño, mas quem tem acelerado o processo é um velho conhecido: o grupo de gases de efeito estufa disseminado por ações humanas, como a queima de combustíveis fósseis. Esquentar o mar e derreter gelo tem várias consequências ruins. Fakebook.eco explica algumas delas:

PREJUÍZO PARA A BIODIVERSIDADE

O aquecimento da água desequilibra qualquer ecossistema marinho, aponta Regina Rodrigues, professora de oceanografia e clima da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Um exemplo é o branqueamento e a morte de corais, animais úteis para a desova e abrigo de peixes de valor comercial, moluscos, crustáceos e algas. Em meados de julho, equipes das organizações sociais americanas Florida Aquarium e Coral Restoration Foundation encontraram recifes devastados em mares que esquentaram muito na Flórida. 

Na Antártida, Júlia Finger, bióloga e pesquisadora do Laboratório de Ornitologia e Animais Marinhos da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), chama a atenção para o krill, um pequeno crustáceo que está na base da cadeia alimentar antártica. A diminuição do gelo marinho prejudica esse crustáceo, que já é afetado pela pesca descontrolada. “O gelo marinho influencia nas populações de krill porque esse crustáceo depende do gelo marinho para completar o seu ciclo vital”, explica a bióloga.  

Sem krill, todo o ecossistema antártico colapsa, a começar por dois animais icônicos: as baleias, que se alimentam do camarãozinho, e os pinguins-de-barbicha (Pygoscelis antarcticus), que dependem tanto do krill quanto do gelo marinho para sua alimentação e reprodução.  

AUMENTA O NÍVEL DO MAR

O aquecimento do oceano é a principal causa do aumento do nível do mar. Mais de 90% do calor retido na terra é absorvido pelos oceanos. “Conforme o oceano aquece, as moléculas de água sofrem expansão térmica”, diz Rodrigues. O impacto dessa expansão sobre o nível do mar é fácil de visualizar: basta lembrar de como a água quente sobe de nível numa chaleira. O aumento do nível do mar põe em risco quem vive em áreas costeiras.

MENOS GELO PARA REGULAR A TEMPERATURA

Karina Bruno Lima, doutoranda em Climatologia e divulgadora científica, explica que o gelo ajuda a regular a temperatura da Terra. “O gelo reflete o calor da Terra e joga para o espaço. Isso ajuda a regular a temperatura no planeta. Se tiver menos gelo, a luz do sol vai atingir a superfície do oceano e vai ser absorvida em vez de ser refletida”, diz. Logo, o planeta fica mais quente.

O derretimento acelerado do gelo marinho do Ártico, por exemplo, já tem gerado impactos. O aquecimento da região influencia no derretimento do manto de gelo da Groenlândia, que aumenta o nível do mar com mais intensidade. Além disso, derrete o permafrost, solo permanentemente congelado, o que libera mais gases de efeito estufa. 

Estudos também sugerem que o derretimento do gelo do Ártico, que teve o seu recorde em setembro de 2012, pode ter influência no enfraquecimento da corrente de jato – ventos que circulam de oeste a leste ao redor do globo –, o que alimenta eventos climáticos extremos na América do Norte, Europa e Ásia.  (PRISCILA PACHECO)